Estamos nos conhecendo através de algumas redes sociais. O amor aos perfumes nos apresentou. Convidei-a para contar sua história perfumada, Morgana aceitou. Com vocês, a gaúchinha apaixonada por perfumes, e sua história...
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Detalhe da obra La Toilette, de Eduardo Schiaffino - Museo Superior de Bellas Artes Palacio Ferreyra |
Uma vida em perfumes
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Eduardo Schiaffino |
Em uma recente viagem à Córdoba,
na Argentina, deparei-me com a obra de Eduardo Schiaffino – La Toilette, de
1889. No Museo Superior de Bellas Artes Palacio Ferreyra, por um momento,
contemplei, na beleza representada pelo quadro, meu próprio estado de espírito.
Em minha casa, tenho uma penteadeira provence, sobre a qual coloco todos os
meus perfumes, cosméticos, batons e feminilidades efêmeras, e, por vezes,
busco, a partir dela, refletir sobre como acabei entrando no universo dos
perfumes. Não me considero, de modo algum, uma expert em perfumes. Longe disso!
Atualmente, posso compreender a mim mesma como uma especialista em
“especialistas em perfumes”.
Nesta viagem em torno do meu
próprio gosto, percebi que me construo, enquanto pessoa, na reciprocidade do
aprendizado a partir deste “outro” possível nas comunidades e grupos que
pesquiso, nas pessoas com quem me relaciono e nos laços e amizades que
constitui ao longo da minha jornada antropológica. Desta forma, pesquisar
perfumes significa não somente entender o ponto-de-vista do “outro”, mas viver com ele,
amar alguns perfumes como ele, detestar outros, compartilhar excessos e
vulnerabilidades.
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Mulher na penteadeira. La toilette. |
Nem sempre foi assim. Ainda
lembro, aos 11 anos, quando ganhei meu primeiro perfume. Um Acqua Fresca, da
minha madrinha. Mais tarde, também dela, ganhei um Anais Anais. Já tinha 14
anos. E durante um bom tempo, os perfumes fizeram pouco sentido em minha vida.
Atentei para outras coisas, como roupas, maquiagens, bolsas, sapatos e jóias.
Mas sim, Chanel já dizia que “o essencial é invisível aos olhos” e, tudo isso
passou. Voltei aos perfumes quando ganhei um Acqua de Giò do meu marido e
descobri um pequeno recorte de perfumaria na internet. Nada assídua das redes
sociais, meu caminho era solitário, e, por isso mesmo, precário. Pouco
descobria além de uma perfumaria comercial, das belíssimas publicidades que
perfazem o mundo midiático dos perfumes em filmes, diretores, modelos, atrizes
e outras celebridades, que, gradativamente foram fazendo sentido para mim.
Quando entrei no mestrado, ainda
pensava esta perspectiva discursiva. Mas, ao entender que a internet era
importante para minhas descobertas, resolvi, finalmente, fazer um perfil no
Facebook. Desde então, minha curiosidade me levou a descobrir elos e nós de uma
perfumaria pouco falada e pouco vivida. Meia dúzia de gatos pingados foram uma
imensão de trocas, sociabilidades, amores e odores nos grupos e comunidades que
pesquiso, vendo isto, por exemplo, em relação ao número de pessoas que tem
perfil no Facebook no Brasil todo. E foi lá que descobri os experts, hoje,
muitos, meus amigos, conhecidos e afetos.
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Detalhes |
O prazer da troca dos perfumes é
algo indescritível. Aprendi com eles, por exemplo, que gosto de perfumes
cítricos, amadeirados, verdades e de uma nota masculina chamada Vetiver.
Descobri meu Chanel, o Nº 19, os Exclusifs que amo tanto ou o famoso Tobacco
Vanille, e tantas outras marcas que anteriormente eu nem pensava que
existissem. De repente, um mundo sofisticado se abriu e desabou sobre minha
cabeça. Outro dia, um interlocutor me dizia: “já experimentei mais de 1000
perfumes”.
Eis então, que me vejo em frente
à minha penteadeira, em um dia destes quaisquer, antes de sair para algum
lugar, logicamente perfumada, e posso entender que cada um daqueles perfumes
conta um pouco da minha própria história, a partir de minhas memórias, e, da
história das pessoas de quem comprei ou troquei perfumes. Cada uma delas estão
lá, presentes em minha mente e meu coração, em cada cheiro que borrifo e nota
que, definitivamente, ainda não consigo sentir ou deflorar em separado. Se cada
pessoa com que falo me perguntasse: “isso é só pesquisa?” Eu, certamente, diria
que não, pois, isso se tornou parte de mim mesma, das minhas mudanças e
significados privados, de como escolho alguns perfumes em detrimento de outros,
e de toda uma sensibilidade em torno das pessoalidades com que me identifico e
imagino este mundo de percepção.
Se esta vida feita em perfumes
tem início, meio e fim, eu não conseguiria responder. Mas, uma coisa é certa: a
figura do colecionador e amante de perfumes a quem me refiro e estudo, esta
figura pode ser entendida, sem dúvida, a partir de fragmentos de um tecido, de
recortes sociais, acordes e notas que compõem uma relação complexa entre mim
mesma e cada uma das pessoas com quem troco experiências perfumísticas. Ao
pensar sobre isso, retorno deste feedback, em frente a minha penteadeira, hoje,
com 50 perfumes que contam parte do que sou e da história que vivo, de tudo que
descobri, assimilei e me identifiquei. Nas palavras de
Neruda, apenas posso, de alma, “confessar que vivi”.
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Morgana Hamester |
Graduada em Comunicação Social - habilitação: Jornalismo
pela Universidade Federal de Santa Maria (2006). Mestranda em Ciências Sociais
- Linha Representações socias, etnicidades, mídia, consumo e educação, pela
Universidade Federal de Santa Maria, em que investiga os processos de consumo e
percepção sobre perfumaria de luxo na internet, a partir de comunidades e
grupos especializados do Orkut e Facebook. Especialista em Comunicação e
Projetos de Mídia pelo Centro Universitário Franciscano (2011). Professora do
Centro Universitário Franciscano (UNIFRA). Pesquisadora da área de consumo,
percepção, luxo e discurso.
Obrigada, Morgana, por sua presença aqui no Village Beauté. Seu texto soa artístico, emocionante e atesta uma vez mais o poder dos perfumes em, também, aproximar pessoas.
Bj, querida, e sucesso em tua pesquisa sobre os amantes dos perfumes.
Um outro ponto de vista. Interessante depoimento, aprofundou-se em aspectos distintos, estudando-os com sensibilidade.
ResponderExcluirParabéns Morgana!
Um ótimo final de semana a tod@s!
Relato lindo, limpo e na mosca! Deu gosto de ler.
ResponderExcluirQue delícia te ver por aqui, Vanessíssima!
ExcluirTão diferente do mundo perfumado que construí ao longo dos anos....eu que me assusto neste mundo virtual.... e Morgana se aprofundando e descobrindo amor aos perfumes do jeito tão diferente(virtualmente), o qual sempre me assustou. Está aí uma prova para mim mesma que podemos sim construir amizades, trocar presentes, carinhos, ternura com o doce prazer dos perfumes.
ResponderExcluirUm beijo Morgana adorei teu relato perfumado, foi maravilhoso descobrir outro lado da história virtual...
Um beijo para minha professora Dâmaris.
Malú
Interessante essa perspectiva da Morgana, não é Malú? bjs
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